quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

DOLORES E COLORES


(RÔ Campos)


Dormia,  e sonhei 

Sonhei que estava acordada

Peguei tinta e papel

Pintei meus sonhos. 


A janela do meu quarto estava aberta

Era noite, mas o que era escuro ficou claro

Estrelas caíam; outras estrelas

 brilhavam

Muitas outras nasciam. 


Pintei  os meus sonhos com flores

Que perfumavam   meu jardim

Pintei os meus sonhos com a lira

Musiquei  os infortúnios.


A lua cheia, também pintei

Com os olhos rasos  d'água

Depois,  sonhei que pintava  minhas

mágoas

E quedei sonhando os mais lindos sonhos,  acordada.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O JOGO DA VIDA

 "Ai, gente, é tão fácil ser feliz!!!! É como segurar as pontas no remo da canoa, remar, remar e remar, até chegar. Remar é penoso? Pode ser. Mas como poderia haver chegada sem a saída, sem a remada? E que sabor haveria em chegar, sem se haver sentido a caminhada? É muito bom chegar, vencer. Mas, depois que se chega, não há mais para onde ir. Por isso, acredito que melhor ainda é perder, cair, levantar, começar tudo de novo, hoje, amanhã, sempre, arriscar, lutar. É esse o papel de cada um nessa intrigante ópera que é a vida.  Não podemos abandonar o jogo no primeiro tempo, dar a partida por perdida. E há momentos em que, nesse jogo, temos que jogar em várias posições: zagueiro, meio-de-campo, atacante, e talvez precisemos ir pelas laterais, avançar pelo centro. Jogue. Jogue. Caia. Levante. Chute pro gol. Tente furar a rede. Mesmo que a bola vá pra fora. O importante é tentar, chutar, senão a bola não vai entrar mesmo. E, se cometer alguma falta, por favor, não seja desleal. Isso não faz parte do jogo da vida" (RÔ Campos)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

QUANDO O NADA É PREFERÍVEL A QUALQUER COISA

 (RÔ Campos)


Prefiro o “Nada” a “Qualquer Coisa”.

Prefiro também a solidão

Do que estar em má companhia.

Prefiro o silêncio da boca

Ao beijo de outra boca sem palavras.

Prefiro a fome, o não saciar,

Ao sexo exclusivamente carnal;

Aprecio  sexo verbal.


Deus me livre de um homem pobre, vulgar, preconceituoso,

Que não tenha um pouco de poeta,

Que não tenha um pouco de louco.

Que desconheça os caminhos da jugular.

Que não saiba como chegar,

Ser amigo e amante,

Macho e cantante,

Errante, perdido,

Nas profundezas de uma mulher.


Deus me livre de um homem pequeno,

Na abundância de meu mundo:

Que nunca se farta com coisa pouca

E prefere o “Nada”,

A andar em má companhia,

A “qualquer coisa”.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

SÚPLICA


(RÔ Campos)


Teu silêncio não o amargavas na solidão da noite.

Quando vomitavas, eu o absorvia.

E teu silêncio gritava dentro de mim.

Eram  pedidos desesperados de socorro...


Muitos ouvidos se faziam de moucos,

Mas os meus ouvidos poucos,

Esses, sempre ouviram os gritos aflitos  do  teu silêncio louco.


Hoje, separadas pelas sombras dos fantasmas que te rondam os dias e as noites,  continuo te ouvindo,

Mas o meu silêncio tu nunca o saberás.

Eles se vão  aos poucos,  levados pelas lágrimas que lavam o meu rosto,

Quando as horas mortas vêm  me açoitar.


Não sei o que  te fiz em meio a tanto bem,

Que tanto mal te causou.

Sempre te dei  o meu riso quando  te achegavas  com teu pranto.

E meu colo nunca te neguei em dia algum. 


Não vou te pedir perdão,  porque não se peca  por amar. 

Só peço ao teu silêncio que,  doravante,

Não me venha mais me visitar. 


Minhas janelas continuam escancaradas,

E as portas seguem  abertas.

Volte,  quando quiser.

Quando te cansares de viver ao leu. 

Quando os teus pesadelos  dormirem,

E acordarem  os teus sonhos,  por fim.

domingo, 6 de dezembro de 2020

AINDA BEM


(RÔ Campos)


Ainda bem que existe noite e dia

Ainda bem que existe o sol e a lua 

Ainda bem que existe a chuva

Ainda bem que existe a semente

Ainda  bem que existe a colheita


Ainda bem. 


Ainda bem que existe a flor

Ainda bem que existe o intervalo

Ainda bem que existe a luta

Ainda bem que existe o fracasso

Ainda bem que o fracasso não é  o fim de tudo


Ainda bem. 


Ainda bem que existe o recomeço

Ainda bem que existe o sonho

Ainda bem que existe a fé

Ainda  bem que existe a esperança

Ainda bem que existe a Ciência


Ainda bem. 


Ainda bem que existe o outro

Ainda bem que  existe a arte

Ainda bem que existe a música

Ainda bem que existe a fantasia

Ainda bem que existe a morte das nossas ilusões. 


Ainda bem.


Ainda bem que existe a tempestade, como também  a bonança

Ainda bem que existe o mal, mas o bem sempre vence

Ainda bem que nada é  para sempre,  a não ser o amor que fica

Ainda bem que tudo  passa

Ainda bem que a besta  também vai  passar...

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O AMOR QUE DÁ FOME

(RÔ Campos)


Isso que você chama de amor não está te fazendo bem, não te corresponde, não é o abraço na hora precisa, não é o ouvido devido, não é o sorriso esperado, a força que soma, a fonte em que se banha, a água que mata a sede, o alimento que sacia a fome? 

Isso que você chama de amor é quem te sujeita, quem te vira as costas, quem te bate a porta? 

Isso que você chama de amor é quem te cobra, exige, usa, abusa, e nada faz para te ver em paz? 

Isso que você chama de amor é com quem você não conta em hora alguma, não te faz companhia, não te dá alegria, faz-te chorar, não ter vontade de lutar, viver? 

Ah, sinto muito te dizer, mas isso que você chama de amor, não é amor, é sofrer. Urge desiludir. 

Isso é qualquer coisa, qualquer coisa de burrice, de cegueira espontânea, voluntária,  de carência, de menosprezo por si mesmo. E quem se contenta com qualquer coisa sempre será ninguém, porque não consegue valorar nem a si mesmo. E viverá nadando e se debatendo nas águas dessa megera, que é a fria solidão de um coração vazio, qual um vaso sem flores.

Por isso, costumo dizer: prefiro o nada a qualquer coisa.

É melhor caminhar no deserto, onde se pode, de repente, deparar-se com um oásis,  que seguir à margem de um rio cujas águas não te matam a sede.

É melhor morrer de fome de viver, do que de fome de um amor que não vivifica.

PARA ONDE?


(RÔ Campos)


Vamos marchando sem saber para onde.

Quem sabe o fim da linha,  o fim de tudo,  o fim do mundo.

Mas ainda  assim é  preciso ir,  seguir em frente, mesmo sem saber para onde.

Porque não dá para ficar parado no tempo,  no tempo que sempre segue adiante, no tempo  que nunca para. 

Há  muita gente vazia de tudo.

E há também aqueles que estão cheios de tanto vazio dos outros, Daqueles que não se importam. 

Para onde caminha a humanidade,  não sabemos.

Há muitos abismos que nos separam: religião: "o ópio do povo"; egoísmo: superegos; ismos, ismos, ismos.

A fé na vida cambaleia.

A esperança está na corda  bamba.

CARGA PESADA


(RÔ Campos)


Inveja,  chega pra lá,

Deixa de me provocar.

Vai entrando, vai causando,

Um tremendo mal-estar.


Sinto logo um calafrio.

Tenho medo desse teu olhar.

O ar está cheio de ti-ti-ti.

Muita carga pesada pra cima de mim.


Inveja, eu nunca te namorei.

Vai pra lá, larga de mim.

Tudo o que tenho na vida,

Nada tenho, nada é meu.

UM ROSTO NA MULTIDÃO DA MINHA SOLIDÃO

 

(RÔ Campos)


Você tem um rosto, 

Mas eu não sei quem você é.

Você às vezes conversa comigo,

Mas eu não sei se é você.


Às vezes, você some.

Eu, então, sinto saudades

De quem nem sei se é.

Talvez alguém, ou, quem sabe, ninguém.


Só sei que a saudade vem.

Depois tudo se vai.

Como barcos, que um dia zarpam,

Noutros, aportam em um novo  cais.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

A ETERNA ESPERA PELO AMOR-PERFEITI

 A ETERNA ESPERA PELO AMOR- PERFEITO

(RÔ Campos)



(RÔ Campos)

Bem te vi logo te amei

Sabia,  sabiá, sabia,  agora nada sei

Que eu seria tua

E tu também serias  meu. 


Nessa manhã,  no meu pomar Sanhaçu bicou o  caju

E no meu jardim não tardou

A se achegar o beija- flor.


Borboletas na casa anunciam a Primavera

Arrebentou ora-pro-nobis, íris, rosa do deserto e maria-sem-vergonha

É  eterna a espera pelo desabrochar do amor-perfeito...

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O MEU LUGAR


(RÔ Campos)


Oh! Meu Deus! Meu pai!

Não  sei mais o que fazer

Se fico em casa com essa tristeza me sinto segura

Mas minha felicidade mora no lado de lá. 


Aqui dentro vejo o dia amanhecer, a noite chegar,

Ouço  os pássaros cantando,  vejo o sol se pondo,  a lua  chegando

Meu coração  acelera, quer bater pernas,   ganhar o mundo, 

Mas o medo fala mais alto e logo vem me acovardar.


Eis-me aqui  nesse duelo medonho

Entre a alegria e a  cruel melancolia

A sede e a vontade de beber:

Se ficar dizem que posso escapar 

Se sair o  maldito corona pode me pegar.  


Por isso eu te peço, meu Deus! me proteja

Me deixa ir aonde chora o cavaquinho, ronca a cuíca,  retumba o surdo, toca o pandeiro, cantam os poetas e as poetisas, as cabrochas sacodem as cadeiras, chacoalha  o meu ganzá... 

É  lá que a tristeza vai embora e  sou feliz.  É  lá o meu lugar.

domingo, 20 de setembro de 2020

ENCANTADO

 (RÔ  Campos)

Hoje vi teu sorriso aquele mesmo

Que numa noite feliz se abria 

E quando se fechava tocava meus lábios por inteiro. 

Estava estampado em postagens no Facebook 

De amigos parceiros saudosos. 

Te foste assim tão  ligeiro menino

Para habitar constelações  outras

E no nosso céu as estrelas se recolheram. 

Para driblar a saudade deveras fustigante  

Resolveram  brincar  de fazer de conta

Mas quando se deram conta

Todos contavam  a mesma dor. 

Te foste assim tão ligeiro poeta

Que poesias tantas deixaste aos pedaços que agora são rastros nas trilhas traçadas  nas noites insones a vagar 

E no coração de quem tanto te ama tão cheio de ti um vazio profundo.

Muitos ainda  se fazem perguntas

Como baratas tontas  que se põem  a voar.

Por onde andas a poetar agora  ninguém sabe 

Alguns se lançam em elucubrações tantas querendo te encontrar. 

Mas deixaste tudo de ti nas tantas poesias que compunhas

Essas canções que nos falam da terra,  do ar,  do fogo, do amor, da  beleza,  do ser e existir. 

Te foste assim tão ligeiro menino

Com o grito preso na garganta da gente 

O jantar posto na mesa, a cama arrumada, a vela acesa.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

OS VERMES PASSAM


(RÔ Campos)


A esperança nasce de onde não se sabe, 

A esperança vem de onde não se tem.

Porque há que se reunir forças onde  só resta o cansaço,

Escolher entre seguir ou ficar,

A Vitória ou o fracasso. 


A verdade um dia  haverá  de emergir dos pântanos em  que chafurdam as escórias,  as bestas,  os monstros sebosos.


A História haverá de contar, ainda que em versão dupla face, 

Quem perdeu,  quem ganhou.

Mas,  acima de tudo, nos resta a nós,  o povo,   um consolo,  uma convicção: tomando por empréstimo o que declamou  o poeta: nós,  passarinho,  eles passarão...

Como passam  os vermes que, antes, se proliferam  nos intestinos da sociedade,  e seguem para o esgoto da História...


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

OUTRA VIAGEM


(RÔ Campos)

Eu já conheço o que sopra o vento
De onde vem quando é frio ou quente
Eu já ouvi muitas vezes as vozes do silêncio
E o grito que ecoa da boca de muitos inocentes.

Eu já pisei  sobre ferro e fogo
Já me feri até com espinhos mortos
 Muito já plantei e também colhi
Algumas  vezes,   amizades;  outras  tantas,  tempestade.

Aproxima-se  o início da caminhada
Que agora me leva ao fim da estrada
Pode ser cedo ainda ou - quem sabe? - tarde
Mas é o começo de outra viagem.

Já não levo nada em minhas mãos
Vou seguindo com as pernas trôpegas
No pensamento um livro inteiro
E na bagagem minhas memórias.

domingo, 9 de agosto de 2020

MÚSICA


MÚSICA
(RÔ Campos)

És a sobremesa da alma
Quem me nina, me embala
Me faz desvendar o "ser"
A mulher e a menina
Rima da minha vida
Tudo o que há em mim.

E nessa geografia de sonhos
Entre repiques de sinos e badalos
Atravesso planícies
Venço a fúria de mares
Alcanço o píncaro.
É o apogeu de minh'alma
Dantes inquieta, sem calma.

Nesse Banquete Divinal
(Desígnio Celeste!),
Presidido por nove Musas, Deusas inspiradoras
És absolutamente inexprimível mediante palavras.

Cândida melodia!

Como um frisante embriagador
Tocas fundo o meu âmago
Que se harmoniza e se esbalda.
Brindas ao senhoril e ao pobre
És singela e nobre.

Cântico dos Cânticos!

Apoteose de Deus na avenida da vida.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

VOZES DO SILÊNCIO

(RÔ Campos)

Quantos silêncios ouvi quando caía o orvalho,  tal como uma lágrima furtiva!
Eram multidões caladas, falando,  gritando
Como falam as estrelas cadentes  na calada da noite
Aos olhos insones dos homens que vagam pela madrugada à procura de uma porta de  saída...

(Quanto mais se sobe os degraus da insensatez maior é  a queda).

Eles perguntam à  escuridão por que a lua se escondeu,  mas a  escuridão se cala
A voz que então se ouve é  a voz  das  estrelas candentes brilhando no céu infinito,  feito bailarinas dançando  na ribalta celestial, como a zombar da dor dos notívagos, esses zumbis perdidos  que marcham sem saber para onde...

terça-feira, 28 de julho de 2020

ACERCA DA PAZ

Atrás de todo muro é  tudo muito escuro· A guerra é vermelha, sob um céu cinza· A paz é branca· Toda paz já conheceu algum muro· Nenhuma paz se alcança sem que se derrube o muro···da intolerância e da vergonha·
(

segunda-feira, 27 de julho de 2020

ÀS VEZES



Às vezes não conhecemos os segredos de nossa própria alma.

Às vezes amamos alguém, e nem sabemos que estamos amando. 

Às vezes saímos errando por aí, e nem sabemos que erramos.

Às vezes bem que poderíamos falar menos e ouvir mais, mergulhar no mais profundo do nosso ser.
Talvez, aí, encontremos algum tesouro...

QUEM DE NÓS


(RÔ Campos)

Quem de nós  pode dizer que o  tempo não tem razão?
Quem de nós pode fugir das teias do tempo?
Quem de nós já não deu tempo ao tempo?
Quem de nós já não voltou no tempo ou não tentou ir além dele?
Quem de nós não desejou, ao menos  um dia,  que o tempo passasse ligeiro,  ou que o tempo parasse no tempo?
Quem de nós não acreditou que o tempo é  o senhor de tudo? De todas as verdades e de todas as mentiras?
Quem de nós não jogou nas mãos do tempo  todos os seus sonhos?
Quem de nós não esperou no tempo a cura?
Quem de nós irá  negar que o tempo não tem pernas,  mas  anda,
Não tem asas, mas  voa,
Não tem boca, mas fala,
Não é juiz,  mas condena,
Não é  Deus,  mas liberta?

GRITOS DO SILÊNCIO


(RÔ Campos)

Nesta hora,  em que a manhã já  bateu pernas e corre o mundo,
Queria te dizer,  a ti somente,
(Ainda que intrusos se metam  a querer entender),
Que o imenso mar que nos separa
É  também  deserto,  onde o vento sopra forte.
E as batidas na porta muito me dizem de ti, tão longe,  tão distante, mas tão perto do meu lembrar,  do meu existir...
O que dizer,  então,  do teu silêncio, mestre das palavras,  dissecador  de almas, neste dia de hoje,  do escrevinhador, do latifundiário de vastos e áridos territórios sedentos do saber?
Ora, teu silêncio fala muito mais que mil palavras. Teu silêncio grita a tua solidão, a tua vergonha,  a tua ressaca.
Mas as tuas  letras combinadas, as tuas palavras,  frases soltas e ou inteiras,  elas me dizem da tua embriaguez...

NENHURES


(RÔ Campos)

Sonhei em segredo os meus sonhos
E consumi  sozinha os  meus medos
Com medo que o medo  devorasse
Os sonhos que sonhei em segredo.

Lembrei dos tempos de fartura
Todos se apresentavam  na colheita
Ninguém jamais vi na semeadura
E nem nos dias de fome...

Emudeci no barulho do dia
Ninguém havia que me ouvisse
Chorei  no silêncio da noite
Enquanto a plateia ainda dormia...

terça-feira, 7 de julho de 2020

CAUSA E EFEITO

(RÔ Campos)

Fez pouco caso de mim
Destruiu meus castelos de areia
Juntou todos os meus sonhos com as mãos
Jogou fora na lata do lixo.

Agora eu já me encontro refeita
Ergui a minha cabeça
Já consigo mirar as estrelas
Hoje é  ele que,   triste,  rasteja.

Já aprendi de vez a lição
Que a vida sempre nos ensinou:
Se hoje com muita força és pedra
Amanhã serás  telhado de vidro.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

TRAVESSIAS

(RÔ Campos)


Um grão de areia
Um pingo d'água
Um deserto
Um oceano.

Um grão de areia pode cegar
Um pingo d'água pode afogar
Todo deserto tem um oásis
Todo oceano separa.

De grão  em grão fez -se o deserto
De pingo em pingo se enche um cântaro
Todo deserto é solidão
Todo oceano é mistério

Decerto que o vento que sopra lá
Não é o mesmo vento que sopra aqui
Decerto que a solidão é um deserto
E todo deserto é uma prisão a céu aberto.

Decerto que um pingo d'água pode matar a sede
Decerto que num oceano inteiro não  se tem água  pra beber
Cada qual é o que se é
Tudo a seu tempo e hora.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

A DOR DA DOR QUE SENTE


(RÔ Campos)

Por que tem que ser assim tão longe
O que vive dentro da gente?
E as nuvens leves pesarem com o tempo,  num acúmulo de forças
A desabar  como forte chuva sobre as nossas cabeças?
O que foi feito do sol que até ontem à noite ainda dormia plácido
E havia sol, lua e estrelas no céu que nos cobria?
Aonde foi parar a  fé que,  depois de longa agonia,
Foi morar em cada flor que se abria
E não havia nem escuridão nem medo?
E vieram tantos que se diziam pequeninos e se queriam profetas·
E bradavam que a esperança ,com sua espada,
Venceria o algoz de todos nós - Golias,
Golpeando a face  obscura das gentes que se diziam
Um despertar de um novo tempo, um voo alto, um canto cálido·
Mas o que se vê, agora, o que se ouve, o que se sente:
Os olhos eram cegos e não viam
E os ouvidos se perderam entre as bigornas, os estribos e os martelos·
A carne  apodrecendo nos becos do esquecimento
Ou nos corredores de paredes brancas sob os olhares dos aflitos,
Nada mais sente a não ser a dor da dor que sente,
E os gritos que saem da boca dos homens de amores famintos
Que agonizam ali  nos corredores da morte
Enquanto demora a morte total e morrem aos poucos os sonhos que não mais voam:
Asas partidas, céu sem vento, esperanças perdidas·

quinta-feira, 28 de maio de 2020

ENTRE A ESCURIDÃO DA NOITE E A LUZ DO DIA


(RÔ Campos)

Lá  no alto do céu eu vi a lua  e vi também estrelas.
Cá  embaixo nem tudo é  luz,  nem  tudo é  trevas.

Ainda são meus olhos que me guiam
Nos caminhos, os mais longos, os mais curtos
Os mais largos,
Os mais estreitos,
Os mais retos,  os mais curvos
Na imensidão do clarão do dia.

Mas quando a noite cai, impiedosa,
Embaçando os olhos da visão
E cerrando  a janela da alma,
Seguir não faz sentido,  não tem porque.
Melhor parar n'algum lugar seguro,
Que amanhã, a  noite, que veio a galope,
Será devorada pela luz do dia.

A MORTE LENTA DO DESEJO


(RÔ CAMPOS)

Saudade do que eu quis viver e me foi negado.
Agora, sinto esse desejo  se esvaindo,
Fugindo de mim sem que eu possa tomá-lo em meus braços.
Como  se fosse  o sólido  se liquidificando aos poucos,
Daí  a escorrer sobre as bordas da taça,
Indo abaixo,  molhando  o chão,
Tal como a  esperança evaporando, sendo levada pelos ventos, que também levam o cheiro das flores para muito longe,
Um lugar que eu não sei onde.

Às  vezes,  então, me assoma  um cheiro de enxofre.
Mas eu ainda guardo em minhas memórias o aroma das flores, 
Quando era primavera em minha vida,
E que o vento levou sem que eu nem percebesse.

E me bate forte a saudade do que eu quis viver e me foi negado.
Mas eu me dou conta  de que o desejo, 
Como as flores que não são  cuidadas,
A cada dia vai-se um pouco,
Em meio ao abandono da gente,
Murchando como murcham  as rosas deixadas sob o sol inclemente,
Sem proteção,  sem  água,  nem rega,
Tombando, morrendo,   sem sede de amar...
FRAGMENTOS DE MEU TEXTO "CONFISSÕES"

Há pouco eu te vi,  ainda que através de fotografia. Olhos e rosto encovados,  e cor de sangue na epiderme macerada.
E havia também um quê de incredulidade no teu olhar perdido, a fitar o horizonte impalpável.
Os cabelos desgrenhados e também desbotados,  como os sonhos que agora  sentes desperdiçados.
Dizem que a fotografia rouba a alma da gente. Mas,  nesse caso,  senti que tua tristeza foi quem roubou o colorido da lente. Senão... os olhos que te clicaram,   teriam eles sido cruéis?   Ou,  por acaso,  terias tu mesma te fotografado?  Ou foste tu cruel com teus próprios sonhos?
Quantas vezes suportaste o peso de um fardo que não era teu?
Quantas vezes choraste as dores que não eram tuas?
Quantas vezes creste que aquele amor que nunca foi teu seria teu um dia?
E,  agora,  a mim me  parece,  começas  a carregar,  sozinha,  o peso  da tua solidão,  antes também dividida  entre a solidão de dois corpos ,  que nunca foram um.
Que perguntas te fazes,  agora? 
Que respostas esperas ouvir do tempo e do vento que sopra  lá fora?
Eu te confesso,  neste instante também fugaz,  como fugazes foram  os  teus dias pretéritos,  que nunca compreendi o amor como um assassino feroz,  feito uma erva daninha que se espalma a destruir os campos e os pastos.
E,  no final,  o que vejo é uma pastora  solitária,  sem a sua ovelha preferida, aquela  a quem escolheu doar-se  por toda  a vida,  e  que  agora sumiu no mundo para se deliciar em um novo pasto.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

ERA MANHÃ


(RÔ Campos)

Era manhã quando  tuas garras cravaram minhas coxas.

Era manhã quando o sal do mar sedento da minha boca
Misturou-se ao sal do mar  do céu da tua boca.

Era manhã quando nossas bocas selvagens finalmente se encontraram e lutaram e se renderam.

Era manhã quando o mar bravio de nossas bocas loucas se acalmaram.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

SEM CONVITE

(RÔ Campos)

Era dia quando um vento forte soprou do Oriente
E  como se não houvesse luz,  fez-se noite
Muitas noites sem lua nem estrelas

Nos pegou a todos desprevenidos
Em um tempo assim, meio sem sentido...
Corriam os homens contra  o relógio do  tempo...
O egoísmo e a vaidade eram protagonistas no teatro da vida, onde muitos eram figurantes.

Trouxe o vento forte o pássaro  agourento com  as garras encravadas em seus cabelos longos
E o pássaro  agourento sobrevoou rapidamente de lado a lado todo o Ocidente
Gritando  seu grito esganiçado
Deitando o medo e a morte no leito  de tantos quantos sentiram o frio se acercando
Os incrédulos riram-se em tertúlias tantas
Mas ao fim e ao cabo o medo venceu também todo aquele que se vestia de soberba
Até a fé se retirou para descansar, enquanto a Ciência, que nunca se cansa,  buscava com os olhos da Razão uma luz para enxotar o pássaro agourento e nos livrar a todos dos dias de escuridão.

Fim do primeiro ato.

Surge uma luz no fim do túnel escuro...

SOPRO


(RÔ Campos)

Cuidemo-nos. Cuidemo-nos uns dos outros. Essa travessia é muito dura, muito louca...Mas quem foi que disse que seria fácil? Nada nunca foi fácil,  inclusive para aqueles outros que  vieram antes de nós.
Tantas pestes, tantas guerras, tantos sofrimentos,  tantas dores...
Mas essas gentes bravas seguiram o seu destino,  estrada a fora, deixando para trás o que não pôde  ir,   levando na memória  suas recordações, e no coração as marcas da vivência, os amores que o habitaram,  para que nunca se perdessem no esquecimento...

Vamos,  maninho,  fazer essa travessia. Segura as pontas com firmeza. Alça  as velas.  Esquece o relógio do tempo.  Te faz de doido e de mudo e de mouco. Te finge até de morto,  se preciso  for, para que não te molestem essas dores persistentes.

Decerto que faz escuro hoje. Mas nem todo o tempo é  escuro, e nem  todo o tempo é  claro. 
Pensa assim,  todo dia, ao despertares: É  só  hoje.  Apenas hoje. 
Não vou  desistir. Vou esperar.  Não sei o quê o amanhã pode me trazer...Sei lá.
A chuva pode cessar.  O sol pode sair.  A dor pode passar. Só  o tempo irá  dizer...

A vida é  mesmo esse combate medonho, às  vezes até mesmo antes de sermos dados à  luz: um duelo entre ela - a vida -  e a morte. A morte das perspectivas.  A morte das ilusões. A morte do corpo. A morte de tudo. Exceto da alma,  imanente, permanente.
E a vida?...O que  é  a vida,  senão um sopro...

EU E TU


(RÔ Campos)

Hoje, estou meio assim,
Ouvindo o silêncio de nós dois,
Lembrando das coisas que ficaram
E de tudo o que o vento levou...

Uma vontade tão grande de tudo o que vivemos.
Eu e tu, lado a lado.
Eu te dizendo que te amava, e tu rindo, falando que era brincadeira.
Mas eu te amava de verdade e tu sabias.

E quando eu estava triste, tocavas meus cabelos,
E, cheio de alegria, olhavas os meus olhos.
Tudo tu me davas, mas costumavas me roubar muitos beijos.
E o que era tristeza  não tardava desaparecia...

DEPOIS DO AMOR




(RÔ Campos)

Já nem sei dizer direito,
Mas se era pra ficar só por ficar,
Que então se abrisse a porta.
Sabido é que todo  amor
Ao fim e ao cabo é  folha morta.

Fugir sem nem saber pra onde nem por que,
Fugir por fugir, fingir,
Como se a vida quisesse assim,
E fosse o amor um folhetim.
Melhor seria se não  tivesse sido assim.

O que restou do amor
Deixou tão pouco de nós,
Nos dividiu, nos separou,
E agora já não somos um,
Voltamos a ser dois...

NADA A TEMER


(RÔ Campos)

Nada a temer
SENHOR!
De todos os exércitos
Do amor vencendo os canhões.

Nada a temer
Para quem faz a sua parte
E tem Deus no coração
Seja lá esse Deus quem for
Contanto que seja uma luz
A nos guiar na escuridão.

Nada a temer
Se eu sou temente  a Deus
Esse ser que mora em mim
Uma luz no fim do túnel
Uma mão  a me erguer do chão
Um ombro para eu me recostar.

Nada a temer
Se Ele vive em mim
Como se fosse o pão que mata a minha fome
E a água que sacia  a minha sede
O timoneiro do barco da minha vida
Meu norte,  minha bússola,  minha direção.

Nada a temer
Se Ele é  o motor que me impulsiona
A  energia que me alimenta
A chave que abre todas as portas
A força que tudo impele,  tudo rege.

Nada a temer
SENHOR!
De todos os exércitos
Do amor vencendo os canhões.

quarta-feira, 11 de março de 2020

PERDÃO


(RÔ Campos)

Perdão!
Se  perdoar já não te posso.

Perdão!
Se em meu coração plantaste  espinhos.

Perdão!
Se os espinhos que em meu coração plantaste
São os espinhos que hoje te machucam.

Perdão!
Se nessa  hora grita em teus ouvidos a velha máxima:

"Quem com ferro fere com ferro será ferido".

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

ACERCA DOS ATALHOS E A

(RÔ Campos)

Não me venham querer-me um atalho. Pode até ser que chegue mais rápido, Mas não haverá o gozo de um caminho mais longo, com a beleza das margens e a visão do horizonte que se descortina. É como percorrer uma alameda. É disso que gosto: de ser alameda. Atalho fica para os apressados, para os descompromissados com o belo. Eu não tenho pressa de chegar. Prefiro contemplar as delícias que se avizinham no meu itinerário e gozá-las e sorvê-las até a última gota.

SONHO REALIZADO, REALIDADE NUA


(RÔ Campos)

Tudo era apenas um sonho
E depois se tornou realidade.
Trabalhei como as formiguinhas,
Ladrilhando dia a dia o meu caminho.
E descobri que, na vida,
É preciso ter muita coragem,
Pois o monstro vence os covardes.

Sair, pôr os pés na estrada,
Não ter medo de cair na lama,
Nem de ir ao fundo do poço.
Descobrir a força que nos move,
E, tal fênix, ressurgir das cinzas
Para subir as montanhas .

Descobri que o fogo que acende a vida
É o mesmo que a devora.
E que o vento que levanta o fogo
É o mesmo que o apaga.
E que a aurora, quando vai embora,
Anuncia o crepúsculo que se avizinha.