quinta-feira, 28 de maio de 2020

FRAGMENTOS DE MEU TEXTO "CONFISSÕES"

Há pouco eu te vi,  ainda que através de fotografia. Olhos e rosto encovados,  e cor de sangue na epiderme macerada.
E havia também um quê de incredulidade no teu olhar perdido, a fitar o horizonte impalpável.
Os cabelos desgrenhados e também desbotados,  como os sonhos que agora  sentes desperdiçados.
Dizem que a fotografia rouba a alma da gente. Mas,  nesse caso,  senti que tua tristeza foi quem roubou o colorido da lente. Senão... os olhos que te clicaram,   teriam eles sido cruéis?   Ou,  por acaso,  terias tu mesma te fotografado?  Ou foste tu cruel com teus próprios sonhos?
Quantas vezes suportaste o peso de um fardo que não era teu?
Quantas vezes choraste as dores que não eram tuas?
Quantas vezes creste que aquele amor que nunca foi teu seria teu um dia?
E,  agora,  a mim me  parece,  começas  a carregar,  sozinha,  o peso  da tua solidão,  antes também dividida  entre a solidão de dois corpos ,  que nunca foram um.
Que perguntas te fazes,  agora? 
Que respostas esperas ouvir do tempo e do vento que sopra  lá fora?
Eu te confesso,  neste instante também fugaz,  como fugazes foram  os  teus dias pretéritos,  que nunca compreendi o amor como um assassino feroz,  feito uma erva daninha que se espalma a destruir os campos e os pastos.
E,  no final,  o que vejo é uma pastora  solitária,  sem a sua ovelha preferida, aquela  a quem escolheu doar-se  por toda  a vida,  e  que  agora sumiu no mundo para se deliciar em um novo pasto.

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