quinta-feira, 27 de abril de 2023

FRAGMENTOS DE MEU TEXTO "CONFISSÕES"

 

(RÔ Campos)


Eu, como uma montanha de braços abertos, querendo abraçar o vento que toca a minha pele. Tu és o vento. Sei que estás por aqui, geograficamente bem perto de mim, mas, confesso-te,  é como se estivesses muito longe. Ainda assim, frequentemente me lembro de ti, quando passo em frente à tua antiga casa - aquela onde foste feliz por um tempo, e depois já não mais sabias o que era a felicidade. 

Hoje minhas mãos misturaram-se a adubos que eu,  delicadamente, coloquei nos vasos de minhas plantas...

E, mais um vez, lembrei de ti, de quando foste meu jardineiro e regavas meu coração. 

E senti o cheiro das uvas, de vinho e do licor de uísque que sempre degustávamos nas poucas e eternas horas em que o silêncio se calava. 

E lembrei daquele dia em que me convidaste a ir ao teu jardim: noite e céu cheio de estrelas, vinho, delicadeza e cumplicidade, teus olhos nos meus olhos, tuas mãos na minha vida, minha vida nas tuas mãos.


(*) 27.04.2013

quarta-feira, 19 de abril de 2023

OUTRAS DIVAGAÇÕES

À nossa frente duas portas, uma larga e a outra estreita, muito estreita. Temos que seguir caminho. Alguém duvida que a porta escolhida será a mais larga? Isso é bíblico. Ainda que, para mim, a Bíblia seja uma coletânea de textos literários e poemas (Os Salmos de David, por exemplo, são belíssimos exemplos). 

E eu creio na literatura e na poesia. 

Há sempre um pedaço da alma, um pouco da vida do literato, do poeta  e de suas experiências, de seu olhar, de sua dor e das dores da humanidade nas obras que cria.

*19.04.2012

sábado, 8 de abril de 2023

COMO SERÁ?

 

(RÔ Campos)


Como será

O que não foi

Se já não foi

Não pode ser

Não há caber

Em nenhum tempo

O que passou

O de agora

O futuro  que não sei?


Como será

Um suposto amanhã

Sem pressuposto algum

Se a flor o botão não abrir

Depois que a chuva passar

Se o sol não sair?


Como será

Eu sem  ninguém

Ninguém em mim

Espaços

Vazios

Alguém procurando ocupar

Se eu não sei mais deixar?


Onde será

Que posso ver

Procurar

O que não vi

O que  passou por mim

Como passam as borboletas

E eu nem percebi?


Tudo é fugaz!


E o tempo, veloz 

  Escorre pelos dedos, agora tortos

E se vai pra  nunca mais.


Ninguém toma às mãos o tempo!


Ninguém!


E esse futuro

Que não alcanço

Não sei,  não sei

Quem sabe?

Se vem,  vem como

Nas asas do mal ou do bem?


Cadê meu céu?

Cadê meu mel?

Esse gosto amargo que ficou na boca que não beijou

Os ruídos insistentes no ouvido

Do passado querendo entrar

Os olhos de não ver

Coração de não amar

Não quer mais brincar

Não quer mais sofrer.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

QUANDO ATRAVESSARES A PORTA

 

(RÔ Campos)


Vai, se tu queres ir·

Vai, se essa é a tua vontade·

Só não esqueças durante  a tua viagem

Que, se um dia, quem sabe, 

Sentires saudade e vontade de voltar,

Eu não estarei mais aqui· 


Porque, quando atravessares aquela porta,

E puseres os pés na estrada,

Tu aqui nada mais serás senão poeira e folha morta·


E aquela mulher que um dia foi tua companheira,

De tão tardio o sol batendo na soleira,

Também partiu, pois já não era mais a mesma·


quarta-feira, 5 de abril de 2023

ESTRAGOS

 

(RÔ Campos)


Ontem à  noite

Eu saí  por aí

Bar em bar

À  procura do amor

Que até hoje não sei

Porque razão me deixou

Sem nada me dizer. 


Procurei

Em cada rosto que vi

O sorriso, o olhar

Nas canções que ouvi

Me lembrei do amor

Que juntos juramos

Nunca um dia acabar. 


Quando dei por mim

Foi que vi o estrago

Das dezenas de trago

De cerveja e cigarro

Pra esquecer o amor

Que até hoje não sei

Porque razão me deixou

Sem nada me dizer. 






PEGA LEVE

 

(RÔ Campos)


Pega leve.

Vai devagar.

O poeta já disse:

"O mundo é  um moinho,

Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos".


Pega leve.

Larga essa espada.

Te livra dessa lança.

Alivia essa mão pesada.


Pega leve. 

Contempla o teu jardim. 

Cuida  do teu corpo, 

A tua morada.


Pega leve. 

Esquece quem mágoa te causou.

Sorri pra vida.

Espalha bons fluidos. 

Num instante e  tudo já é  ido...



ACALMA O TEU CORAÇÃO

 

(RÔ Campos)


Cadê a tua fé?

Aonde foi parar a tua brandura?

Para que tanta fúria?


Acalma o teu coração!


Ontem à noite vi ódio em teus olhos.

Tua boca cuspia sangue. 


Como te deixaste vencer pela ira?

Isso não faz bem ao teu espírito,

Aflige a tua alma. 


Acalma o teu coração!


Afasta de ti tudo o que te inflige dor e tristeza,

O que te faz perder o sentido da vida.

Tudo aquilo que te rouba a serenidade,

Que te turva a visão.


Acalma o teu  coração!

domingo, 2 de abril de 2023

OUTONOS


(RÔ Campos)


Em mim há algumas estações já se fez noite.

E, de repente, surges em meio à  nebulosidade do tempo. 

Tudo há operado em mim pela força dos anos  consumidos minuciosamente. 

Eles também me consumiram:

Já não há mais frescor, ainda que seja manhã. 

No pomar,  tudo há amadurecido. 

As folhas, amareladas, caem aos poucos,  como sempre ocorre quando chega o outono.

Assim também se dá nos outonos  de nossas vidas.

Não se vê mais viço.

Somos como tecidos que,  com o tempo,  se esgarçam.

A luz,  a luz ainda tento alcançar ao longe,  ao menos uma fresta,

Pelos olhos cansados  de abrir e fechar,  de sorrir e chorar,  anos a fio.

E, então,  me apareces  assim,  tão de repente,

Quando eu pensava que já havia sonhado todos os meus sonhos e vivido todos os meus pesadelos.

E meus olhos cansados veem teus olhos, no meio dessa escuridão que,  sabidamente, chega para todos que não ficam no meio da estrada. 

Há um quê  em ti que me desperta.

Há um quê  em ti que me diz coisas, que me sussurra, que me intriga e mexe comigo. 

São  como cinzas  adormecidas que, com o teu sopro, fazem surgir uma centelha.

Mas eu,  em meio às minhas elucubrações, penso ligeiro: esse sopro é  fruto exclusivo de minha imaginação. 

Estás no meio da estrada,  e eu já caminho para  o fim.  Não pretendes de modo algum,  penso eu,  acelerar essa viagem para me alcançar.

Não faz sentido. Não tem porque.

Mas eu,  por incrível que pareça,  teimo em sonhar. 

Sonho quando te vejo,  ainda que em uma foto,  uma postagem. 

Miro teus olhos.  Eles me dizem muito de ti. 

E insistem em me enganar,  iludir. 

Teimam  em fingir que,  sim,  eu posso crer,  há uma chance de viver.

Mas eis que,  num súbito,  acordo. 

Não consigo ver nada. Nem o teu sorriso.   Tá tudo escuro.

É  outono em minha vida. 

Não demora, chega o inverno.

Frio. Solidão. Fome. 

Mas em ti, em ti tudo é  primavera.  Depois, verão.

Calor. Dois. Saciedade.