domingo, 2 de abril de 2023

OUTONOS


(RÔ Campos)


Em mim há algumas estações já se fez noite.

E, de repente, surges em meio à  nebulosidade do tempo. 

Tudo há operado em mim pela força dos anos  consumidos minuciosamente. 

Eles também me consumiram:

Já não há mais frescor, ainda que seja manhã. 

No pomar,  tudo há amadurecido. 

As folhas, amareladas, caem aos poucos,  como sempre ocorre quando chega o outono.

Assim também se dá nos outonos  de nossas vidas.

Não se vê mais viço.

Somos como tecidos que,  com o tempo,  se esgarçam.

A luz,  a luz ainda tento alcançar ao longe,  ao menos uma fresta,

Pelos olhos cansados  de abrir e fechar,  de sorrir e chorar,  anos a fio.

E, então,  me apareces  assim,  tão de repente,

Quando eu pensava que já havia sonhado todos os meus sonhos e vivido todos os meus pesadelos.

E meus olhos cansados veem teus olhos, no meio dessa escuridão que,  sabidamente, chega para todos que não ficam no meio da estrada. 

Há um quê  em ti que me desperta.

Há um quê  em ti que me diz coisas, que me sussurra, que me intriga e mexe comigo. 

São  como cinzas  adormecidas que, com o teu sopro, fazem surgir uma centelha.

Mas eu,  em meio às minhas elucubrações, penso ligeiro: esse sopro é  fruto exclusivo de minha imaginação. 

Estás no meio da estrada,  e eu já caminho para  o fim.  Não pretendes de modo algum,  penso eu,  acelerar essa viagem para me alcançar.

Não faz sentido. Não tem porque.

Mas eu,  por incrível que pareça,  teimo em sonhar. 

Sonho quando te vejo,  ainda que em uma foto,  uma postagem. 

Miro teus olhos.  Eles me dizem muito de ti. 

E insistem em me enganar,  iludir. 

Teimam  em fingir que,  sim,  eu posso crer,  há uma chance de viver.

Mas eis que,  num súbito,  acordo. 

Não consigo ver nada. Nem o teu sorriso.   Tá tudo escuro.

É  outono em minha vida. 

Não demora, chega o inverno.

Frio. Solidão. Fome. 

Mas em ti, em ti tudo é  primavera.  Depois, verão.

Calor. Dois. Saciedade.

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