quinta-feira, 28 de maio de 2020

ENTRE A ESCURIDÃO DA NOITE E A LUZ DO DIA


(RÔ Campos)

Lá  no alto do céu eu vi a lua  e vi também estrelas.
Cá  embaixo nem tudo é  luz,  nem  tudo é  trevas.

Ainda são meus olhos que me guiam
Nos caminhos, os mais longos, os mais curtos
Os mais largos,
Os mais estreitos,
Os mais retos,  os mais curvos
Na imensidão do clarão do dia.

Mas quando a noite cai, impiedosa,
Embaçando os olhos da visão
E cerrando  a janela da alma,
Seguir não faz sentido,  não tem porque.
Melhor parar n'algum lugar seguro,
Que amanhã, a  noite, que veio a galope,
Será devorada pela luz do dia.

A MORTE LENTA DO DESEJO


(RÔ CAMPOS)

Saudade do que eu quis viver e me foi negado.
Agora, sinto esse desejo  se esvaindo,
Fugindo de mim sem que eu possa tomá-lo em meus braços.
Como  se fosse  o sólido  se liquidificando aos poucos,
Daí  a escorrer sobre as bordas da taça,
Indo abaixo,  molhando  o chão,
Tal como a  esperança evaporando, sendo levada pelos ventos, que também levam o cheiro das flores para muito longe,
Um lugar que eu não sei onde.

Às  vezes,  então, me assoma  um cheiro de enxofre.
Mas eu ainda guardo em minhas memórias o aroma das flores, 
Quando era primavera em minha vida,
E que o vento levou sem que eu nem percebesse.

E me bate forte a saudade do que eu quis viver e me foi negado.
Mas eu me dou conta  de que o desejo, 
Como as flores que não são  cuidadas,
A cada dia vai-se um pouco,
Em meio ao abandono da gente,
Murchando como murcham  as rosas deixadas sob o sol inclemente,
Sem proteção,  sem  água,  nem rega,
Tombando, morrendo,   sem sede de amar...
FRAGMENTOS DE MEU TEXTO "CONFISSÕES"

Há pouco eu te vi,  ainda que através de fotografia. Olhos e rosto encovados,  e cor de sangue na epiderme macerada.
E havia também um quê de incredulidade no teu olhar perdido, a fitar o horizonte impalpável.
Os cabelos desgrenhados e também desbotados,  como os sonhos que agora  sentes desperdiçados.
Dizem que a fotografia rouba a alma da gente. Mas,  nesse caso,  senti que tua tristeza foi quem roubou o colorido da lente. Senão... os olhos que te clicaram,   teriam eles sido cruéis?   Ou,  por acaso,  terias tu mesma te fotografado?  Ou foste tu cruel com teus próprios sonhos?
Quantas vezes suportaste o peso de um fardo que não era teu?
Quantas vezes choraste as dores que não eram tuas?
Quantas vezes creste que aquele amor que nunca foi teu seria teu um dia?
E,  agora,  a mim me  parece,  começas  a carregar,  sozinha,  o peso  da tua solidão,  antes também dividida  entre a solidão de dois corpos ,  que nunca foram um.
Que perguntas te fazes,  agora? 
Que respostas esperas ouvir do tempo e do vento que sopra  lá fora?
Eu te confesso,  neste instante também fugaz,  como fugazes foram  os  teus dias pretéritos,  que nunca compreendi o amor como um assassino feroz,  feito uma erva daninha que se espalma a destruir os campos e os pastos.
E,  no final,  o que vejo é uma pastora  solitária,  sem a sua ovelha preferida, aquela  a quem escolheu doar-se  por toda  a vida,  e  que  agora sumiu no mundo para se deliciar em um novo pasto.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

ERA MANHÃ


(RÔ Campos)

Era manhã quando  tuas garras cravaram minhas coxas.

Era manhã quando o sal do mar sedento da minha boca
Misturou-se ao sal do mar  do céu da tua boca.

Era manhã quando nossas bocas selvagens finalmente se encontraram e lutaram e se renderam.

Era manhã quando o mar bravio de nossas bocas loucas se acalmaram.