sábado, 28 de janeiro de 2012

BOM DIA E ADEUS À NEGRITUDE

Abaixo, transcrevo Nota de rodapé do ensaio BOM DIA E ADEUS À NEGRITUDE, do escritor e poeta haitiano René Depreste, que vale a pena conferir, pois nos dá uma ideia sobre o racismo.

"O crítico afro-americano Henry Louis Gates aponta o racismo latente no pensamento ocidental, já no mínimo desde Platão. Efetivamente, o
diálogo platônico Fedro, com a famosa analogia entre a alma e o cocheiro a guiar dois cavalos, é emblemático. O cavalo branco é belo, "de
melhor aspecto"; "ama a honestidade e é dotado de sobriedade e pudor, amigo como é da opinião certa. Não deve ser batido e sim dirigido
apenas pelo comando e pela palavra." (continuamos a citar diretamente o Fedro): "O outro [cavalo] - o mau - é torto e disforme; segue o
caminho sem deliberação; com o pescoço baixo tem um focinho achatado e a sua cor é preta; seus olhos de coruja são estriados de sangue;
é amigo da soberba e da lascívia; tem as orelhas cobertas de pelos. Obedece apenas - e com esforço - ao chicote e ao açoite." (Ed. de Ouro,
trad. Jorge Paleikat).
Isto não significa, no entanto, que existissem desde a Antigüidade as concepções de raça e de racismo conforme as conhecemos, no mundo
ocidental moderno. No início e durante boa parte da Idade Moderna, inexistia no Ocidente a concepção de "raças distintas"- o que surgiria
apenas com os avanços da ciência iluminista. Ainda no século XVII, explicavam-se as diferenças físicas entre os homens com teorias
ingênuas como a diversidade do solo, ou "alguma virtude secreta do ar"( Dictionnaire Théologique, Historique). A palavra "raça", em sua
acepção de grupo étnico diferenciado, segundo Léon-François Hoffman, em Le Nègre Romantique: personage littéraire et obsession
collective) não se atesta em francês antes de 1685; e a palavra negro, de origem ibérica (atestada em francês em 1516), é rara nessa
língua até o século XVIII. Anteriormente (isto vale para o português, o espanhol, o francês e o inglês), preferia-se utilizar denominações
simplesmente geográficas ou difusas como "mouro", "africano", "etíope", para designar pessoas de pele escura, habitando o que seria
depois universalmente conhecido como o "continente negro".
No século XVIII, passou-se de um racismo dogmático a um racismo científico. Já não bastava aos intelectuais racionalistas que as diferenças
de cor entre os homens fossem explicadas pela teologia, era preciso explicá-las pela ciência moderna. No discurso escravista europeu, a
ideologia etnocêntrica encobria os motivos econômicos subjacentes. A referência positiva sendo sempre o homem branco, quaisquer
diversidades em relação a este eram invariavelmente apontadas como o desvio da normal, o anormal. Assim se justificava intelectual, moral
e esteticamente a empresa mercantilista ultramarina. E sua força motriz, a escravidão.
No século XIX, as idéias de Joseph-Arthur Gobineau (França, 1816 - Itália, 1882) com sua teoria de determinismo racial, tiveram uma
enorme influência sobre o desenvolvimento subseqüente de teorias e práticas racistas na Europa ocidental, culminando com o nazismo. Tais
idéias foram fruto do interesse europeu vigente, notadamente desde a segunda metade do oitocentismo, num determinismo biológico e
sociológico. Nesse sentido, houve uma notável convergência entre as teorias científicas da época e os interesses imperialistas em relação ao
que depois viria a ser cognominado "Terceiro Mundo". Fonte principal: Heloisa Toller Gomes, As Marcas da Escravidão. R.J.,
Ed.UFRJ/EDUERJ, 1984.
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