sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

SUANAM

Ó! minha mana, Manaus,
Fundaram-te – e nascido já havias, Suanam,
Antes que aqui chegasse alguma nau. Já existia povo, povo existia 
Em teu entorno, à margem dos rios: Baré, Manaó, Baniba, Passé,
Adorada terra, mãe dos nossos ancestrais.

Ouvi dizer, também, Suanam,
Que aqui esteve o povo hebreu,
A mando de Salomão, filho de Davi, o rei.
Ouro! Ouro, maninha! – levaram daqui,
Para adornar o Templo, 
Aquele, do Muro das Lamentações.

Tempo depois veio o europeu,
E arrancou teus filhos para a escravidão,
Teus filhos guerreiros, deste chão, Deitando o véu da noite em teu céu. De Ajuricaba, valente índio Manaó, Nada mais se ouviu dizer, 
Desde o dia fatídico em que partiu, escravizado.
O pouco que se sabe , não se contou verdade. 

Triste fado! 

Foi o teu âmago, Ana, ferido
Por abutres, desterrados, facínoras, condenados,
Vindos das terras de Portugal e dalém mar. 

Ao genocídio covarde, infame,
Seguiu-se à exploração de tuas riquezas. 
Tudo te saquearam, maninha, 
E também as chamadas drogas do sertão.
Só não te roubaram a tua honra. 

Os anos se foram entre as agruras dos dias e das noites, 
Em meio aos gemidos do vento que soprava, 
Como que trazendo em ecos o canto dorido
De teus filhos amados, arrebatados de teu colo. 

E tu, Suanam, devastada, 
Renasces das cinzas, tal Fênix.
É o apogeu da borracha.
(Panair, Booth Line, Roadway, Teatro Amazonas 
De Manaus para o mundo).
Período fausto, no entanto, apenas para o estrangeiro arrivista.
A ti e a teus poucos filhos, mais os migrantes nordestinos, 
A labuta diária. 
Essa era a tua sina.

Mas, qual nada, maninha,
A febre durou algumas décadas, apenas. 
Esteve por aqui um inglês, cujo nome nem me lembro.
Astuto, ladrão, à sorrelfa, 
Roubou-te tantas mudas na calada da noite, ou do dia.
Ninguém sabe. Ninguém viu.
(É sempre assim nestas terras Brasilis). 
Roubou-te tua semente – o ouro branco,
Hevea braziliensi. 

Anos de escuridão se seguiram aos desatinos.
Teu céu foi de novo coberto pelo véu da noite. 
Mas novo ciclo de riqueza se vislumbra. 
Aqui, aportam os nordestinos Fugindo de suas terras queridas, 
Da aflição da grande seca. 
Nada é como antes, de novo. 

Fim da Segunda Guerra. 
Paz no mundo.
Fim do teu (quase) segundo apogeu.

Maninha, tu, morena, linda, cobiçada, Agora andas tão pálida, desolada. 
Os palacetes desabitados, 
As ruas cheias de fantasmas a desfilar.
Foram-se os que nada mais tinham para te sugar.
Fim do terceiro ato. 
Cerram-se as cortinas do teatro. 

Mas, dizia a lenda: 
Estas terras ainda darão o que falar, um dia. 
Idos de 1967. Militares no poder. Ditadura! 
Castelo Branco, o marechal presidente, 
Cria uma zona de livre comércio. Quer povoar a Amazônia. 
E povoa. 
Manaus tornou-se uma zona.

Maninha, estás enferma, agora. 
Todos esses anos te consumiram – inclusive a memória. 
Por isso te faço este relato, nesta hora, Que me pediste em um instante de lucidez. 
Não sei se rio, ou se choro. 
Tantas vezes pensei em partir ,
E, quando estive peregrinando, 
Logo quis voltar para teus braços.
São nossos fortes laços, maninha. Sangue dos Manaó. Povo aguerrido.

Também sei, vou terminar meus dias aqui,
Junto de ti, Suanam. 
Manaus, de trás pra frente, 
Com as costas viradas para o nosso rio, o Negro, 
Ou, quem sabe, um dia, um de teus filhos resolve 
Tornar o teu rosto para as tuas águas, maninha, 
Para que possas, enfim, sentir o Sol a te beijar,
E descanses em paz, o descanso das mães, 
Mãe dos Deuses!

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