domingo, 25 de dezembro de 2011

SANGRANDO II

(RÔ Campos)

Era um rapaz
Não tinha olhos claros
Nem azuis
Ao contrário
Era negro
Estava só
Sentado à porta da pensão
Com o rosto entre as mãos
Dormia, talvez cochilasse
Certamente não sonhava
Era solidão
E, quem sabe,
Carregava um mundo inteirinho
Em seu coração.

É Natal!
Então, é Natal!
E ele, ali, tão sozinho
Tão perto do nada
Tão distante dos seus
Sentado à porta da pensão
Sem família, sem amigos
Sem cama, nem colchão.

Pensei em lhe estender as mãos
Convidá-lo a passear
Queria lhe falar qualquer coisa
Desejar feliz Natal
Dizer também dos meus sonhos
Que ficaram para trás
Nos escombros do passado.

As palavras restaram presas na garganta
Ele não levantou a cabeça
Minha visão embaçou
Enquanto o outro homem sumia na escuridão
Ele, que também era solidão
Na noite de Natal.

Acendi um cigarro
Dei partida no carro
Voltei pra casa.

E o jovem rapaz continuou ali
À porta da pensão, fechada
Numa solidão cortante
E um mundo inteiro em seu coração:
Família, amigos, amores perdidos, irmãos
Quem sabe!
Quem sabe!
O tamanho dessa humana solidão
Ou dessa solidão desumana!?

Meus olhos marejaram
Meu coração chorou, chorou
A dor dele era também a minha dor
Uma dor cortante
Que, ainda assim, sorria
Sem nem saber pra onde
Pra quem
Sorriu, ao levantar a cabeça
Retirar as mãos do rosto
E voltou pro seu sono, sem sonhos
Pra sua solidão
Com um munto inteiro em seu coração
Família, amigos, amores perdidos, irmãos
Sonhos despadaçados
Sob os escombros do passado.

Era um rapaz
Não tinha olhos claros,
Nem azuis
Ao contrário
Era negro
Esta só
Sentado à porta fechada da pensão
Com o rosto entre as mãos
Em sua cruciante solidão
E um mundo inteiro em seu coração.

(Acabei de deparar-me com essa situação, ao deixar um amigo nas proximidades dessa pensão, no centro de Manaus, que fecha as portas a 1 da manhã e só abre quando o dia amanhece. Ele estava ali, um jovem aparentando 27 anos, negro, talvez um estrangeiro, sentado, com o rosto entre as mãos, alheio ao que se passava, cochilando ou dormindo, esperando o dia raiar para entrar na pensão. Choquei! Eu, que estava voltando para casa, para os meus).

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