terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ó MUNDO TÃO DESIGUAL, TUDO É TÃO DESIGUAL...


Pela primeira vez, desde que me engajei nessa campanha em prol dos haitianos refugiados em Manaus, pude ter um contato direto com eles (os homens), ao participar da solenidade de formatura de cerca de 30 haitianos (dentre os quais uma única mulher), no curso de informática básica, realizada na Paróquia de São Raimundo. Acredito que esse tenha sido o primeiro evento social de que tenham participado, após o fatídico 12 de janeiro, quando houve o terremoto na capital, Porto Príncipe, ceifando a vida de milhares de pessoas e deixando um rastro de destruição na cidade, que até hoje não se reergueu.

Há muito ouvia falar sobre a história de exploração, sofrimento e dor a que sempre foi submetido o povo do Haiti pelo europeu (espanhois e franceses), e ainda em razão dos constantes acidentes naturais que ocorrem em seu território. Por conta disso, esse povo sofrido, arrancado de suas terras no continente africano e feito escravo, aprendeu desde sempre a conviver com a dor e seguir em busca de superação. Por isso, logo após o abalo sísmico que abateu Porto Príncipe em 12 de janeiro do ano passado, escrevi o poema Ai de Ti, Haiti, que já postei aqui no FB, no orkut e em meu blog www.rocampossobretodasascoisas.blogspot.com, com o coração partido, mas na certeza de que eles renasceriam das cinzas.

Devastada a capital, Porto Príncipe, acometida de epidemia de cólera e outros males que se seguiram ao tenebroso abalo sísmico, a vida tornou-se praticamente impossível, o que levou milhares de pessoas a decidirem partir em busca de novos horizontes.

Reunindo o que quase não restou; tomando dinheiro emprestado de agiotas e o restante da família ficando responsável pelo pagamento; caindo nas mãos de bandidos, sanguessugas da vida alheia, milhares de haitianos começaram a se espalhar por diversos países, como Estados Unidos, Panamá, Equador, Peru, Brasil etc. No nosso país, a grande maioria, entrando principalmente por Tabatinga, vem se instalando em Manaus, que já conta com mais de 1.000 refugiados, todos abrigados pela Igreja Católica, o que, sem dúvida alguma, está sendo uma oportunidade única para aprendermos. nós, o povo, a lidar com uma situação que se espalha pelo mundo, que é conviver com refugiados de guerras, abalos sísmicos e outros fatores que impelem a fuga de pessoas de seus países,e com tudo o que há de positivo e negativo nessa relação.

A verdade é que não podemos ser omissos, por tratar-se de uma questão humanitária. Não podemos virar as costas, fazermos de conta que não nos diz respeito, porque todos nós estamos no mesmo barco. Ontem, foram haitianos, chilenos, japoneses, neozelandeses etc. Amanhã, poderemos ser nós, como, aliás, deu-se com nossos conterrâneos na serra fluminense.

Pois bem, voltemos ao assunto.

Em aqui chegando, os haitianos são recebidos pela Igreja Católica e distribuídos em abrigos de diversas paróquias, como São Geraldo, São Jorge, Monte das Oliveiras, São Raimundo etc. As mulheres estão instaladas na Casa Fraterna São Francisco de Assis, na rua Monsenhor Coutinho, no Centro. Abrigados, os haitianos têm, ao menos, um cantinho pra dormir e água e comida para aplacar a sede e vencer a fome, além do carinho dos religiosos, que têm sido herois na administração dessa questão, que, pelo que vejo, até agora não recebeu qualquer apoio dos governos em suas três esferas, apesar de continuarem a permitir a entrada no país de mais refugiados.

Muitas são as barreiras para os haitianos se inserirem no mercado de trabalho, começando pelo idioma, mas cursos de português estão sendo ministrados e, aos poucos, eles se vão familiarizando com a nossa complicada língua.

Ao serem admitidos num emprego, os haitianos buscam quartos, quitinetes,humildes casas para alugar, e, para isso, necessitam de utensílios domésticos indispensáveis para se alojarem, como fogão, panelas, geladeira, cama, ventiladores, pelo menos. E, embora empregados, continuam necessitando, no início, de alimentos básicos para a sua manutenção, que também vêm sendo fornecidos pela Igreja Católica, que já está no limite.

No sábado, em razão da formatura num simples curso de informática básica (mas, sabidamente, essencial para qualquer cidadão habilitar-se a uma vaga no mercado de trabalho), para nós algo até certo modo corriqueiro, parecia que eles estavam participando de formatura em um curso superior.

Fiquei sentada junto a eles e observei o quanto estavam bem vestidos, apesar da simplicidade. A maioria posta em camisas e calças sociais, sapatos engraxados e um sorriso escancarado, de lado a lado. Vi que ficavam tomados pela emoção, no momento em que cada um recebia seu certificado de participação no curso, assinava-o, e era fotografado por alguns amigos. O ponto alto da sessão emoção foi na hora da leitura do discurso, pelo orador da turma, em português. No final, os olhos lacrimejantes, a voz embargada a repetir Muito Obrigado, Muito Obrigado, Muito Obrigado.

Ao usar a palavra, padre Valdecy falou sobre coisas lindas, e me fez chorar ao dizer que, ainda na manhã daquele dia, inúmeros haitianos estiveram na paróquia de São Geraldo em busca de alimentos, e que falou-lhes que, "hoje, só temos arroz". A caminhada, portanto, ainda é longa - refleti.

E o mais interessante de tudo isso é que havia salgadinhos e refrigerantes para comemorarmos a formatura (contribuição de pessoas solidárias, como eu, por exemplo, que levei os refrigerantes), mas, ao encerramento das solenidades, tudo o que eles queriam, e fizeram, foi tirar fotos e fotos, abraçados aos amigos, enrolados nas bandeiras do Haiti e do Brasil, na maior pose, para enviarem essas fotos a seu povo no Haiti, dizendo que, " sim, estamos melhorando dia a dia", como forma de encorajar os familiares que lá ficaram e aplacar um pouco a saudade (palavras que eles declararam já saber bem o seu significado).

Outro momento deveras emocionante foi quando cantaram, com eloquência, o Hino do Haiti, e uma música que não sei do que se trata (hino religioso?), mas que já ouvi em filmes, cujo refrão diz: Glória, Glória Aleluia, Glória, Glória Aleluia, Glória, Glória Aleluia, Vivemos por Jesus!!! (é assim mesmo??).

Pra finalizar, vale registrar o discurso de Irmã Santina, uma linda irmã,com mais de 60 anos, gaúcha, que morou durante 22 anos no Haiti, e que foi convocada para essa missão aqui em Manaus, principalmente por falar muito bem o creóle (crioulo) haitiano, a língua oficial do Haiti, juntamente com o francês. Irmã Santina é uma guerreira, dedicada, carinhosa, adorada.

E, ainda, parabéns ao jornal e TV A Crítica, que cobriu toda a solenidade, com Alex Pazzuelo, fotógrafo, subindo pelas paredes para fazer, sempre, as melhores tomadas.

Enfim, tenho repensado tantas coisas, ao concluir que, diante dessa imensidão de mundo, não somos nada. E que é absolutamente tênue a linha entre a vida e a morte, o ser e o não ser, o ter e o nada ter. O quanto é verdadeira a letra da música de Gilberto Gil, que diz " Ó, mundo tão desigual, tudo é tão desigual, de um lado esse carnaval, do outro a fome total", até recordando o que está acontecendo atualmente na África, onde, outro dia, morreram 29 mil pessoas de fome. Isso mesmo, fome. E muitas continuam morrendo. E muitas ainda irão morrer. Até quando?

Mas aqui, nós, tão próximos dos haitianos, podemos amenizar essa situação. Podemos mudar o rumo da história. Podemos contribuir com nossos irmãos, que tanta adoração têm pelo nosso país, principalmente por causa das missões de paz que sempre foram enviadas para lá, e pelo nosso futebol. Eles podem não saber nada a respeito do Brasil, mas perguntem sobre Ronaldinho, Romário, Pelé, e vejam o que eles dizem. Conversando com Joseph, um dos que participaram do curso, disse-me ele que seus pais morreram, 7 irmãos foram para os Estados Unidos, e que ele e um irmão vieram para cá. Questionado por mim sobre a razão da escolha, prontamente ventilou que não quis ir para os Estados Unidos, que queria morar no Brasil, pois é fã do futebol, e saiu mencionando os nomes de nossos jogadores famosos.

Experimente passar um dia sem comer...e depois me diga. Aconteceu comigo outro dia, na correria da vida, e então concluí: não existe nada pior do que a fome. Fome dói - e muito!! Fome mata - e muito!!

Vamos, pessoal, apoiar a Igreja Católica nesse grande desafio. Aproveitar a oportunidade de experenciarmos essa questão que foi colocada em nosso caminho, com certeza uma maneira de crescermos espiritualmente. Como disse (a escritora) Cora Coralina, caridade também se aprende. Vamos aprender bem essa lição que alguém resolveu nos ministrar, um alguém supremo,O qual podemos alcançar ao colocarmos em obra tão profundo e grande ensinamento. Não podemos fechar os olhos, sob pena de mais nada vermos, se o nosso coração não mais nos fala.

Levem para o depósito da Paróquia de São Geraldo alimentos não perecíveis, como feijão (carioquinha, jalo, preto), arroz, macarrão, leite em caixa, em pacote, em lata, massa de tomate, caldo de carne e de galinha em tabletes, milharina, ólLevem para o depósito da Paróquia de São Geraldo alimentos não perecíveis, como feijão (carioquinha, jalo, preto), arroz, macarrão, leite em caixa, em pacote, em lata, massa de tomate, caldo de carne e de galinha em tabletes, milharina, óleo de cozinha. Levem também ovos, salsichas, frango, osso com tutano (eles têm um prato típico feito com banana verde, milharina e osso buco) e tudo o mais que vocês imaginarem. Levem um pouco do que vocês provavelmente vão deixar sobrar.

Nenhum comentário: