terça-feira, 11 de dezembro de 2012

TUDO O QUE A VIDA QUER DA GENTE É CORAGEM

Faz algum tempo que não falo sobre isso. Hoje, tive audiência cedo, na Justiça do Trabalho, como parte do meu trabalho voluntário junto à Pastoral do Emigrante, na causa dos haitianos refugiados em Manaus. É impressionante o que vem acontecendo com esses trabalhadores que tenho assistido, que prestam serviço na construção civil. A empresa sumiu. No acordo que fez, em uma outra ação, não pagou. Não localizamos nada, nem dinheiro, nem bens. Eis que hoje resolvi fazer um trabalho de busca, descobrir alguma coisa, principalmente porque sinto-me envergonhada, ao constatar tamanha maldade perpetrada contra essas pessoas tão desamparadas, tão despossuídas. Na verdade, a ré era (ou é, ainda, isso estou a pesquisar) uma dessas empresas interpostas (as chamadas terceirizadas), atuando numa obra gigantesca na Av. Constelação, na Morada do Sol, ou seja, construindo edificações para a classe média alta. O reclamante (autor da ação), até hoje, sequer viu a cor do dinheiro de suas verbas rescisórias. Um jovem haitiano, distante milhas e milhas de seu país, em busca de uma nova pátria, com a mulher (também haitiana) e uma filha, com menos de dois aninhos, nascida no Brasil, sem receber seus direitos trabalhistas fundamentais.
Mas hoje, mais uma vez, tive lições que me deixaram emocionada. A fortaleza desse povo me faz sentir pequenina, e, ao mesmo tempo, me encoraja. Um deles (esse que a empresa não pagou o acordo), está há quase dois anos aqui em Manaus, sem ver a mulher e quatro filhos, e a mãe, que agoniza num leito de hospital. Daqui a pouco ele viaja para o Haiti, graças a uns trocadinhos que foi guardando, das parcelas do seguro desemprego, cuja última recebeu no mês passado, e uma colaboração nossa, que parcelamos o restante em um cartão de crédito. Ele acreditava que fosse receber seu dinheirinho para poder viajar mais tranquilo, o que, dolorosamente, não aconteceu. Deixei-o em um outro lugar (uma obra), para receber R$ 350,00, de um trabalho que havia prestado, informalmente, de uma semana. Esse, o dinheiro que, se tiver recebido, levará em sua viagem de quase 40 dias, porque se fosse voltar antes o valor do bilhete chegaria aos 4.000,00, e não haveria como comprá-lo. Pois bem, ele me contou que alguém da empresa lhe teria mandado um recado, propondo pagar o valor do acordo sem a multa de 50%. Então, ele me disse: "Dra., se a senhora quiser fazer esse acordo, a senhora é quem sabe, mas eu não quero não. Já cheguei até aqui, posso até passar fome, eu aguento, porque eu acho que um homem tem que ter palavra. Eu acredito que a Justiça vai fazer ele me pagar o que me deve". Na verdade, ele pensa longe. Afirma para mim que gosta daqui (de Manaus), que quer continuar aqui, que tem muita oferta de trabalho, que muitos outros amigos dele estão bem, que ele também vai ficar bem. Quando voltar do Haiti, vai procurar trabalho. Quando receber seu dinheiro, vai comprar as passagens de sua mulher e de seus quatro filhos (uma menina de oito, uma de 14, uma de 15 e um rapaz de 17 anos), para trazê-los pra cá. Fala-me que sua mulher é muito boa, que o ajuda muito, e que vai também trabalhar. Nos últimos dias ele estava quase desesperando, temendo nem mesmo encontrar a mãe com vida. O nome dele é de um sábio hebreu. Ele vai conseguir, eu sei. A fome, a miséria, as tragédias já sofridas, toda a história de sofrimento desse povo, tornou-os mais fortes. Ele continua depositando todas as suas esperanças no seu trabalho e no Deus em que acredita.

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