domingo, 24 de outubro de 2010

ANIQUILAÇÃO

Já estou na cidade.
Meu filho me faz os relatos
Ah, esse traste, traiçoeiro,
Nunca foi convidado,
E vivia calado, nos cantos da casa,
Até tomar posse de nossa mãe.

Tranquem a porta, por favor,
Ponham cadeado no portão.
Ela ainda tem um rosto,
Muitos rostos ela não tem mais.
Tranquem a porta, ela não pode sair,
Pode ser pra nunca mais.

Soube outro dia, contou-me uma filha,
A triste história acerca de seu pai.
Ele, também, não tinha mais muitos rostos,
Foi até ao quintal - disse-lhe -, pra buscar uma folha.
Agora, nem folha, nem pai,
Tudo desapareceu num silêncio mordaz.

Tranquem a porta, por favor,
Tirem o fósforo de suas mãos,
As facas, tirem também.
Seus olhos já entraram no túnel
Onde há ausência de luz.
Assaltou-lhe a escuridão.

Tranquem a porta, por favor,
Ponham cadeado no portão.
Não a deixem um minuto sozinha,
Ela já está só, em meio à multidão.
Ela própria é um nada, essa multidão sem rosto,
No quarto vazio de sua memória aniquilada.

Tranquem a porta, por favor,
Ponham cadeado no portão.
Ela, agora, não é mãe, nem filha, nem irmã, nem vó,
Ela, quem é, nem sabe.
Pode ser uma flor, mas não sabe o que é uma flor,
E também não sabe quem são vocês, filhos e netos dela.

Tranquem a porta, por favor,
Ponham cadeado no portão.
Por Deus, eu imploro, fechem tudo,
Mas não fechem seus corações,
Não achem graça, também não.
Não há nada de engraçado no vão do nada.

RÔ Campos, 25/10/2010

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