quinta-feira, 17 de abril de 2014

A CRIAÇÃO DO MUNDO - COMO SE FOSSE UMA FÁBULA


(RÔ Campos)

De repente, um ser surgiu do nada. Ele se considerava perfeito. Mas logo cedo começou a sentir uma solidão que o devorava... Não havia sentido algum ter um mundo inteirinho só para si. Considerando-se perfeito, pensou em um invento: "vou construir um outro homem, à minha semelhança, e isso será perfeito". E eis que idealizou, projetou e construiu um homem à sua imagem e semelhança. O tempo foi passando, e então eram apenas dois seres - o criador e a sua primeira criatura - e este mundão, o céu com a lua e as estrelas, o sol, os mares, os rios e as florestas, os animais, a montanha e os ventos, os dias e as noites...e uma solidão cruciante. Nada os confortava. Então, o ser que surgiu do nada, aproveitando o seu primeiro invento, pensou em construir um segundo, provendo-o de alguns outros órgãos que o primeiro não possuía, como vagina, endométrio, trompas, ovário e útero, acrescentando-lhe seios onde, no seu primeiro invento, só havia os mamilos, e passando a faca naquilo que mais adiante denominou-se saco escrotal e pênis.
Quando o seu segundo invento estava pronto, o criador também o considerou perfeito. E não demorou para que seus dois inventos, embora construídos à sua imagem e semelhança, começassem a se descobrir, a sentir o tato e o olfato, as delícias das carícias, do toque, o calor do sol, a beleza do céu, da lua e das estrelas...E daí nasceu o sexo. E daí que o ser que surgiu do nada, sentindo-se perfeito, e construindo seus inventos à sua imagem e semelhança, dotou-os do poder de também idealizarem, projetarem e construírem seus próprios inventos. E os inventos do ser que surgiu do nada multiplicaram-se e foram ganhando o mundo. E daí que surgiram as palavras. E daí que ao primeiro invento deu-se o nome de homem, ao segundo, mulher, e ao terceiro, criança. Todos humanos.
E eis que, quando o ser que surgiu do nada imaginava tudo perfeito, sem atentar que seus inventos eram apenas humanos, demasiadamente humanos, começaram as discórdias entre eles. E o mundo já não era só um paraíso, mas, também, inferno.
E os anos se foram levados pelo tempo, e a memória - esta o tempo também levou...E, assim, como nada ficou registrado, porque naquele tempo ainda não havia sido inventada a escrita, todos esqueceram quem teria sido o primeiro ser, aquele que surgiu do nada, o Criador.
Mas os humanos, julgando-se também tão perfeitos, começaram a suscitar a hipótese de um ser sobrenatural - a quem deram o nome de Deus - lhes haver criado, assim como o céu e a terra, todos os demais planetas e astros, os mares e rios e florestas e animais.
- "Não pode um ser tão perfeito ter surgido do nada" - diziam.
E, a partir de então, o mundo começou a tornar-se um lugar de expiação. Não demorou para virem as doenças e as guerras. E aquele ser que surgiu do nada, o Criador, que já não se sabia por onde andava, dizem, dizem, infeliz e arrependido de seus inventos, tentando corrigi-los, resolveu construir um quarto, a quem os terráqueos deram o nome de Jesus. E Deus teria resolvido conceber Jesus nascido de Maria, uma jovem virgem lá das bandas da Galileia, a qual estava noiva de José, um simples carpinteiro, e com quem ainda não havia se deitado. E, para isso, Deus teria enviado um espírito santo, o qual, para tanto, deduziu-se, ejaculava.
Com seu quarto invento (sobre o qual até hoje pairam muitas dúvidas entre os terráqueos em torno de sua verdadeira origem, se divina ou humana), dizem, dizem, Deus pretendia salvar o homem do pecado, muito embora Ele jamais tenha dito uma única palavra a respeito desse tal "pecado", uma invenção, isto sim, dos homens e da Igreja (este, um lugar idealizado, projetado e construído pelo homem, dito como a casa de Deus, mas nunca ninguém, em todo o mundo, viu Deus em carne e osso em tais edificações).
E, então, nasceu Jesus Cristo, o filho de Deus concebido pelo espírito santo e Maria, a virgem. E dizem, dizem que José, a princípio, não ficou nada contente com isso, e chegou a pensar em abandonar Maria. Mas, um dia, em sonho, teria ouvido de um anjo que não se desesperasse, porque o filho de Maria teria sido concebido por um espírito santo. E José acreditou.
E Jesus cresceu sem que se ouvisse falar sobre ele por muitos e muitos anos. E, já maduro - contam as escrituras -, Jesus começou a obrar. Por sua intercessão, cegos recuperaram a vista, paralíticos andaram, leprosos foram curados, surdos ouviram, mortos ressuscitaram e aos pobres se anunciou a Boa Nova. Jesus mostrou-se um médico de almas e de corpos, sem usar um único bisturi e sem jamais haver frequentado uma escola (não que se saiba).
Jesus pregou em todos os cantos, mas nunca se soube quem havia sido seu instrutor, ou seja, quem o havia preparado para tão importante missão, aquela que iria mudar o mundo. Dizia-se que ele se comunicava com o seu criador, mas naquele tempo não havia satélites, nem rádio, nem televisão. Depois, Jesus subiu montanhas, andou sobre as águas, multiplicou o pão apenas com as mãos, sem o uso do fermento, livrou uma prostituta do apedrejamento, transformou água em vinho e chamou a si as criancinhas, anunciando o Reino de Deus, seu criador. Mas o mundo, tão perdido, tão distante do seu inventor, O crucificou. Blasfêmia - teria sido esse o crime de que o acusavam. Até aqueles homens que caminhavam ao lado de Jesus, então descrentes e com temor das penas que lhes poderiam ser impostas pelos poderosos terráqueos, reis e imperadores...muitos deles debandaram...
Já se passaram mais de dois mil anos...e a história de Jesus, o quarto invento do ser que surgiu do nada, continua vívida entre os homens. Mas, para muitos, isso não passa realmente de ficção. Os que a consideram fábula não vão à igreja (muitos chamam-na a casa de Deus, o Criador, que teria sido erigida por Pedro, um daqueles que acompanhavam Jesus antes do seu sacrifício, o qual, dizem, dizem, para fugir de punição, O negou três vezes perante os que perseguiam e mataram Cristo Jesus), não creem no Criador, não usam o seu nome em vão, não são cristãos, mas acabam agindo como se o fossem. Ou seja, não julgam, não condenam, têm sede de compaixão e fome de justiça, praticam o Bem pelo Bem, sem medo de castigo algum, porque creem, isto sim, que “o inferno somos nós”, e não vivem, como os incautos e desavisados, à espera de lotes no céu para habitar, por todo o sempre, após o voo derradeiro, um dito paraíso. São, ainda, éticos e socialistas, os dois maiores legados de Jesus, o Cristo.
Porém, aqueles que a consideram uma história real, um acontecimento histórico-religioso...muitos deles vivem metidos na política e sistematicamente invocam o nome do ser que surgiu do nada - ou do seu quarto invento - para arrebanhar desesperados e fazer fortuna, abandonando o seu empobrecido rebanho à própria sorte, assim como pastores que vivem à caça de pobres ovelhas perdidas, desencantadas com a vida na terra do nunca antes. Outros tantos vão com frequência às igrejas e templos de outras denominações (mas, sempre e sempre tida como a Casa de Deus, onde, todavia, nunca se vê o seu suposto dono, mas, sim, muitos que falam por Ele), assistir às missas, aos cultos e novenas, a palestras e encontros, participam de quermesse, procissões, romarias etc., rezam, oram, fazem prece noite e dia, mas são incapazes de perdoar, de amar ao próximo, de seguir o que Jesus teria pregado em suas muitas andanças por este vale de expiações, de agasalhar a quem sente frio, de dar de comer a quem tem fome, de construir um verdadeiro Reino, numa comunhão universal entre todos os homens, independentemente de origem, sexo, cor da pele, estatus social, opinião, sonhos, frustrações...
E, por haver Jesus Cristo revolucionado o mundo inteiro, desde então nunca mais o mundo foi o mesmo.

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