terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

FRAGMENTOS DE MEU TEXTO "CONFISSÕES"

(RÔ Campos)

Hoje arrumei minhas gavetas, o quarto, meus discos, meus livros. Deparei-me com algumas coisas tuas. Apertei-a com as mãos, levei-as ao encontro do meu peito, ainda senti o teu cheiro, apesar do tempo, esse que às vezes é amigo, companheiro, outras vezes tantas zombeteiro.
Guardei as tuas coisas cuidadosamente, junto com aqueles grampos com os quais desenhaste corações e puseste o meu nome e também o nome teu. E o primeiro grampo trampado, no dia em que te conheci, era setembro, 30 - esse também eu guardei. Reuni tudo numa sacola e guardei-a no fundo de uma de minhas gavetas, no armário do meu quarto, para que o alcance de minha visão seja dificultado. É melhor assim. A mim já me basta o que os olhos da minha alma vislumbram, com a tua ausência, com o teu silêncio, e o meu coração sempre tão fértil, nessas horas torna-se um deserto.
Já faz algum tempo, confesso-te, rasguei as tuas fotos, rasguei as nossas fotos, joguei tudo fora. Mas não se joga fora o que criou raiz no território do coração, dia cheio de luz e tão ensolarado, agora frio.
E o tempo vai-se embora, às vezes lento, outras vezes, veloz. Há dias tão conturbados em minha vida, tão assoberbados, que, juro, não me lembro de ti. Mas outros dias há em que entras e te instalas, sentas na cadeira da sala, como se fosses um ilustre convidado,e eu fico a te olhar...Não consigo te arrancar dos meus pensamentos.
Quantas vezes pensei em te buscar...Perdi a conta. Não sei por onde andas, o que fazes, se és feliz ou triste, ou se existe alguém a afagar teus cabelos e a embalar teus sonhos de eterno menino, esses sonhos que te roubaram na infância, que também te foi roubada de forma violenta e torpe.
Como foram infames aqueles que te furaram os olhos da alma! Punham-te de cabeça para baixo e te machucavam, jogando tua cabeça de encontro a parede, como se fosses um fantoche, um brinquedo, algo inanimado, que não sabe o que é a dor.
Outras vezes - Oh, Deus, quanta maldade! -, foi tua irmã quem me disse: ela, impaciente e também má, te punha de castigo no quintal, despido, de frente para o sol causticante. Quando de lá saías, tua face estava em brasa, quase em carne viva. Não havia ninguém a olhar por ti. Amor, isso ninguém também sabia. Até o sol que nos dá vida foi teu carrasco. E assim foram os anos de tua infância e de tua adolescência, até que aos 17 resolveste ganhar o mundo com um skate debaixo dos braços e a roupa do corpo. Nada mais. O resto eu não preciso te contar...
Lembro-me que a tua nova casa não tinha teto, nem portas nem janelas, mas tinhas tanta coisa dentro de ti. Apesar de tudo, ainda amavas a vida, a arte e a música, e tinhas um sorriso lindo... E eras bom de coração. E invocavas a Deus, sempre e sempre.
E no dia em que tu partiste, desde então o sol nunca mais saiu.
Eu sempre via a nossa estrela, quando a procurava no céu, ali, distante, sozinha...Mas nunca mais também a vi. Ela se escondeu de mim.
E no dia em que tu partiste, desde então o sol nunca mais saiu. E desde então o frio nunca mais se foi. Desde o dia em que tu partiste...

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