sexta-feira, 20 de setembro de 2013

CASTELOS DE AREIA


(RÔ Campos)

Era uma quente tarde de verão, num setembro não distante. Nessa época, o vento sopra muito forte em São Luís do Maranhão. Tão forte que voam mesas, cadeiras e até pessoas - dizem os repentistas -, na orla de toda a ilha bela de Gonçalves Dias, Josué Montello e Ferreira Gullar, e também de Carlinhos Veloz. Saí do hotel e me pus a passear pelas calçadas da avenida Litorânea, passos curtos, enquanto o sol e o vento disputavam um pedaço de meu rosto. Vez ou outra, envolta em meus pensamentos, eu voltava os olhos para o mar e avistava os surfistas bem próximos à praia, fazendo verdadeiros e perigosos malabarismos, e, ao longe, muitos navios parados, aguardando o momento para a descarga das mercadorias, no porto de Itaqui, na Baía de São Marcos. De repente, senti que a fome começava a gritar, e resolvi parar num dos inúmeros quiosques padronizados instalados na orla da praia do Caolho. Escolhi uma mesa plástica dentre as muitas postas na areia da praia, entre o quiosque e o mar, que me dava uma visão maravilhosa, tanto do mar quanto dos dois lados da praia. E ali fiquei novamente a olhar os navios. Meus pensamentos iam e vinham, no mesmo movimento das ondas que batiam nas areias da praia e voltavam para o mar.
Quantas situações interessantes se passaram diante dos meus olhos, durante aquelas horinhas mágicas ali na praia do Caolho, cujo nome nada interessante não consegui descobrir a que se deve, o qual também não faz jus à beleza natural do lugar, repleto de palmeiras que pareciam brigar com a força indomável do vento, e, a muito custo, mantêm-se imponentes, no entanto, sem a soberba dos que se julgam os donos do mundo, embora cônscias de sua magnitude.
Vi um casal que chegou, trazendo uma criança do sexo masculino, por volta, talvez, dos 12 anos. A mulher, uma balzaquiana, com o tamanho do quadril muito acima do normal e ancas imensas, cheias de grandes bolhas provocadas por celulites gigantes, coxas três vezes maiores que as minhas, alta, pesando, possivelmente, uns 130 quilos. Ela chamava a atenção de todos pela, digamos, anormalidade estética; o tamanho dos seios era diminuto, e do abdômen para cima a largura era totalmente desproporcional à parte inferior do corpo. O marido, um quarentão, moreno e bonito. Pois ela não se fez de rogada em nenhum momento: na praia, retirou a canga e foi, mostrando seu diminuto biquíni azul, até o banheiro do quiosque, enquanto a plateia inteirinha, boquiaberta, a olhava. Depois, seu companheiro a ajudou a fincar a canga na areia da praia, para ela deitar-se e se bronzear, indo, após, com o garoto, para mais perto do mar, onde ficaram a construir seus castelos de areia. Essa situação me fez lembrar de O Patinho Feio, do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, e de quantas vezes senti vergonha do que não deveria, porque devemos aceitar as situações que não podemos mudar, e procurar mudar aquelas que podemos. E que, seja lá o que for, o importante mesmo é viver, sem se preocupar com os aplausos ou vaias da plateia, pois ela está ali para uma coisa ou outra, e nós, para fazermos o nosso papel no teatro da vida.
Depois, um casal com duas crianças do sexo feminino e mais o avô, puseram-se à mesa ao lado da minha. O pai, franzino, tinha uns grandes dentes, bem afastados um do outro. A mãe, um quadril pequeno e o abdômen protuberante, lábios inferiores enormes e desproporcionais aos lábios superiores. Esteticamente falando, eram feios. A criança menor tinha imensas orelhas. A maior, bem, a natureza resolveu premia-la. O casal parecia feliz, acariciava-se, o homem afagava os cabelos da mulher, beijava-a na boca e no rosto, e vez em quando levava as crianças para banhar-se no mar.
Depois, vi a poeta, sentada, escrevendo em seu laptop, olhos ao mar, enquanto o filho e o neto saíam a passear pela praia, juntando conchinhas, que encheram um saquinho plástico; queriam levar de recordação para a terra natal, onde não há mar, mas o rio que corta o Estado é um verdadeiro mar de água doce, tanto que Vicente Yáñes Pinzón o chamou de Santa María del Mar Dulce. Depois, o filho atirou-se ao mar, enquanto o neto, sob os olhares diligentes da vó, que parou de escrever para observá-lo, começou a cavar a areia da praia, dando a nítida impressão, pelas atitudes com as mãozinhas a apalpar a areia, que também começava a construir os seus castelos.
A vó, pensativa, voltou os olhos para os navios ao longe, encobertos pela névoa do final da tarde, e refletiu: seja nas areias da praia ou nas arenas da vida, em algum momento, ou em vários, nós sempre construiremos os nossos castelos de areia, até que o vento sopre forte e os desmanche.

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