(Compus esse poema quando acompanhei o caso de uma jovem mãe de 26 anos, em Minas Gerais, que tinha 3 filhos e havia jogado o quarto, recém-nascido, nas águas do rio, em 2008, há quase 3 anos. Não me recordo, mas parece-me que a criança sobreviveu. Tentando alcançar o que podia haver se passado em sua mente, em seu coração,e com base em suas declarações aos jornais e na reação da população, assimilei tudo na forma como passei para o papel. Hoje estou meio reflexiva e resolvi vasculhar o poema e compartilhá-lo. Ei-lo)
Por que me perguntam?
Eu não sei
Eu joguei meu bebê.
É só o que sei
O que me lembro.
Eu o pari.
Estava ali, sozinha,
As paredes pareciam desabar sobre mim.
Ouvia zumbidos.
Gritos! Muitos gritos!
E silêncio também.
Não havia ninguém em minha volta.
Só zombaria.
Nem Deus me fazia companhia.
Eram tantas as dores. Dissabores!
O que é felicidade?
Passado?
Eu não sei, nunca os vi
Futuro?
Não, não há dicionário nos escombros que me restaram
Sonhos?
Eu não dormia.
E sonhar acordada!? – como - se eu padecia?
Não me perguntem.
Todos só fazem perguntas.
Vidas vazias.
Nunca me perguntaram se eu comia
Se é certo?
Não sei, eu não sabia
O que é um erro?
Como sabê-lo, sem conhecer o certo.
E o que é o “certo, afinal?
Não, não sei o que é luz.
Todo o meu caminho foi escuridão
Amar?
E o que é o amor, então?
Tudo o que sei é sofreguidão...
Não havia pão nas manhãs que acordavam bêbadas.
Nem jantar nas noites escuras, drogadas.
Não tive vizinhos.
Nem jardins.
Muito menos primaveras
Infância?
Parece-me algo singelo.
Quem é ela?
Quem é ela?
Família?
Tudo é outono, modorrento.
E também inverno, sombrio.
Não há primavera, nem verão.
Nem sóis, nem flores nas janelas
Deus?
Nunca pude senti-Lo, sabê-Lo.
Meus olhos não O alcançaram.
Minhas mãos jamais O tocaram.
O inferno sempre foi meu companheiro.
Nesse fogo eu vivi.
Ora, prazer?
Quem é você? Quem é você?
De onde vim?
Não sei nem onde nasci.
Talvez venha do nada.
Vagando, pelas longas estradas
Pra onde vou?
Pra lugar nenhum.
Não sei quem sou.
Nunca mirei as estrelas.
Não conheci nenhum lar.
Meus pés são descalços.
Meus olhos vagueiam.
Minas pernas ziguezagueiam.
Minha face não conhece o beijo.
Minhas mãos, o afago
(Tudo é escárnio!).
Eu não sabia o que fazer.
Meu mundo era faminto.
Minhas vestes, andrajos.
Enquanto isso, muitos se refestelavam.
Comiam.Bebiam.Gargalhavam.
E eu sentia muito frio.
E agora, vem você aí.
Zomba de mim.
Cobra-me o que não me deu.
Não sabe o que é padecer.
Escuridão, breu.
Eu sei!Eu sei!
Não, eu não sei nada.
Estou sozinha nessa longa estrada.
Nem o sol me faz companhia.
O céu é sempre cinza.
E tenho muito frio.
Não, não conheço o pecado.
Nunca alguém me fez um bem.
E também não sei o que é o “mal”.
Só conheço a fome.
E tenho muita sede.
O olhar esbugalhado dos três.
A tristeza.
Não havia mais chão para agasalhar o quarto.
Nem braços, nem abraços.
Assim, o lancei ao rio.
As águas seguiam seu curso.
E nelas não refletia o meu olhar vazio, descolorido.
Era noite.
Sempre foi noite!
Desde sempre!
Quando estive no útero
Longos meses!
Nadava em líquido gélido
Saía do nada e voltava pra lugar nenhum
Vim ao mundo, finalmente
Pelas mãos de ninguém
E a luz ofuscou meus olhos
E meus olhos não ouviram canção
Assim tem sido isso a que chamam vida
Então, não dei meu bebê à luz
Não havia luz
Dei-lho às águas
Há três neste mundo de escuridão
Eu sei, eu sei
Eles também não sabem o que é luz
Prisão?
Dizem que me levarão às masmorras
Mas que prisão outra haverá?
Desde o dia em que vim ao mundo sou prisão
Mentiroso, Rousseau!
Nunca fui livre!
Este mundo é um cárcere!
O tribunal me recepcionou na primeira manhã
À tarde, fui julgada
À noite, condenada.
15/10/2008 – 164 anos do nascimento de Nietzsche
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