sábado, 2 de janeiro de 2016

O ANDARILHO


(RÔ Campos)

Setecentas e vinte horas. Amor sublime amor, gerado no seio da inocência, em meio às coincidências desta vida. Será?

Havia mais de três mil dias do primeiro voo que o libertaria do ninho que na verdade nunca o acolheu, dando Início a uma outra jornada pelos caminhos e descaminhos de novas estradas, tão antigas quanto a dor que o consumia.

Todo o vazio do passado aparentemente tinha ficado para trás. Até os rabiscos na parede da memória pareciam haver desaparecido. Era isso que eu imaginava que havia ocorrido.

Depois desse primeiro voo, tanto caminhou que esqueceu-se de que era dotado de asas. E, assim, com o tempo, desaprendeu a arte de voar...

Iniciou seu périplo pelas águas dos rios da Amazônia. Veio parar em Manaus, passando antes pela Guiana Francesa. Aqui, juntou-se a outros andantes. Havia dias em que dormia nas ruas; outros - quando conseguia algum dinheiro com suas mãos de artesão - pernoitava em alguma pensão no centro da cidade, quando aproveitava para banhar-se e dormir o sono dos justos. E ele me relatou que, apesar de tudo, ainda sonhava.

Eu o conheci em uma certa noite, que, coincidentemente, era dia de seu aniversário. Meu amigo Antônio já o conhecia há algum tempo. Ele juntou-se a nós na mesa de um bar tradicional no centro de Manaus.
Essa parte da história eu já contei em um outro texto, e não vou mais me aprofundar.

Isso foi no mês de setembro, dia 29 ou 30, eu já nem sei mais o certo. Na verdade, esse detalhe de somenos importância ficou nebuloso em minha memória.

Passaram-se os dias e eu não o tirava da cabeça. Queira mergulhar nesse mar desconhecido e intrigante, sem usar qualquer equipamento; não me importava com o risco de me afogar.

Pouco mais de um mês depois, novamente nos encontramos, casualmente, também em um desses bares da vida. Era madrugada. Mesa de bar tanto guarda alegrias quanto tristezas; tanto reúne lágrimas quanto gargalhadas. Era 20 de novembro, dia de meu aniversário e do meu renascimento, porque bem antes eu já havia morrido um pouco. Desde então se passaram as setecentas e vinte horas de meu mergulho. Tomei alguns sustos enquanto mergulhava; às vezes me parecia faltar oxigênio, mas eu não me afoguei. Ao reverso, eu o retirei do fundo do mar.

Depois de salvo, os céus lhe enviaram novas asas. Novamente alado, ele partiu, alçou voo... Eu fiquei de ir depois. Ao chegar em seu antigo ninho, ainda era o mesmo ninho, e novamente se perdeu. De novo teve suas asas partidas. Eu também não parti mais rumo ao encontro dele. Tive medo de mergulhar mais uma vez. Talvez já fosse tarde - pensei.

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